BLOG CARLOS RIBEIRO ARTES

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Sustentabilidade

Planeta Sustentável?


Leia entrevista com o economista e jornalista Luiz Prado, estudioso do tema e conhecedor da Região dos Lagos, onde exerceu o cargo de secretário de Planejamento do município de Cabo Frio nos anos 80. (Entrevista exclusiva para Revista Cidade)


"O fato é que não existe qualquer possibilidade FÍSICA de que o modelo de desenvolvimento baseado no consumo se estenda para todos os países e sobreviva por muito tempo, há uma grande ansiedade no ar"

Luiz Prado, economista, jornalista, pós-graduado em Biologia e Ecologia Humana pela Faculdade de Medicina de Paris V, vem tratando do tema sustentabilidade desde os tempos de estudante, quando no segundo ano da faculdade, teve acesso ao relatório "Limites para o Crescimento", documento encomendado pelo Clube de Roma ao MIT no ano de 1972.
"Limites para o crescimento era algo impensável na teoria econômia! – e os economistas ainda continuam medindo o mundo pelo tal crescimento do PIB! Daí para apaixonar-me por recursos naturais foi um pulo. E passei a vida trabalhando sobre o tema", diz o economista quando faz sua apresentação no seu blog.
Revista Cidade - Muito se fala em Sustentabilidade e apesar da simplicidade do conceito, acredito que poucos saibam o que significa. O que é, exatamente?

Luiz Prado - O conceito tornou-se um slogan! Até os bancos e as mineradoras, até mesmo os financistas falam em sustentabilidade, mesmo quando apenas para dizer que esperam que as taxas de lucros não decresçam. Slogans são fáceis, por natureza.

Na origem, em 1968, a pergunta era ousada e clarividente: os recursos naturais seriam suficientes para que os menos desenvolvidos tivessem os padrões de consumo dos altamente desenvolvidos? A pergunta tinha surgido em reuniões de empresários, pensadores e outros, A instituição contratada para respondê-la foi o MIT. Cientistas, não "ambientalistas". E a resposta foi um "não" bastante claro, num extenso relatório intitulado Limites para o Crescimento. Não se falava de um colapso total, mas de horizontes de tempo em que as coisas se tornariam mais difíceis. Esse relatório deu origem à Conferência de Estocolmo, em 1972, que questionou a tal da sustentabilidade.

Como quase nada aconteceu, ao final da década de 80, diversos grupos empresariais e países pediram ao MIT uma atualização dos estudos originais. Daí resultou uma publicação intitulada Além dos Limites, e a Rio 92.


"Quase nada aconteceu" em termos de padrões globais de consumo! Porque no final da década de 80 os países altamente desenvolvidos já estavam muito, muito avançados na limpeza de seus rios e lagos, na solução de seus problemas de resíduos urbanos e de resíduos perigosos, e caminhavam a passos largos em direção à redução das concentrações de poluentes atmosféricos nas cidades.

O fato é que não existe qualquer possibilidade FÍSICA de que o modelo de desenvolvimento baseado no consumo se estenda para todos os países e sobreviva por muito tempo, há uma grande ansiedade no ar. Daí fica fácil dizer que proibir os supermercados de darem sacolas de plástico para os clientes é trabalhar pela sustentabilidade. Ainda que o plástico dessas sacolas represente uma fração desprezível do consumo total de plástico no dia a dia. A enganação encontra terreno fértil na percepção geral de que a crise econômica pode ter vindo para ficar, ainda que com ligeiras oscilações.

O lado sério são as iniciativas que buscam tornar mais eficiente o uso dos recursos naturais. Muitos avanços importantes no campo da eficiência energética e das energias renováveis se deveram às primeiras "crises do petróleo", só tendo portanto uma relação indireta com percepções e anseios sobre a atual noção de meio ambiente. Outros avanços decorreram da revolução tecnológica da qual a tecnologia da informação é a parte mais visível. O mesmo valeu para as energias renováveis como solar e eólica. Os avanços se disseminaram na engenharia, na arquitetura, e em muitos outros setores.

Agora, os países mais avançados concebem e implementam estratégias de segurança alimentar e energética voltadas para a transição maior, para mudança climáticas e nos padrões de consumo. Não creio que isso ocorrerá sem no mínimo muita instabilidade social.


RC - Quando se fala de sustentabilidade, isso inclui também preservar o Homem como mais um animal em seu habitat natural, hábitos de consumo e costumes sociais, ou estamos nos referindo apenas aos bichos e plantas?

LP - Bichos e plantas foram inicialmente protegidos em jardins botânicos, parques nacionais e outras formas de conservação. Antes mesmo dessas iniciativas, já haviam restrições a períodos de caça, que depois se ampliaram muito. Mas a sustentabilidade é fundamentalmente da espécie humana. Até mesmo porque essa é a espécie que corre maiores riscos, e não pode viver sem um conjunto de outras espécies (ainda que isso não tenha qualquer relação com a proteção da "macrofauna carismática", como elegantes e ursos, de imenso valor cultural e simbólico para o ser humano. Não se trata de uma "visão antropocêntrica"! O planeta é, hoje, um planeta humano. Já os hábitos de consumo e costumes sociais, bem, esses mudarão de qualquer forma, pelo bem ou pelo mal.

RC – E como conciliar o instinto natural do Homem que é de domínio de território e sua ocupação total?

LP - Essa conciliação é o grande problema. Toda forma de vida trás consigo o "crescei e multiplicai-vos". Não se trata de uma imagem bíblica, apenas. O ser humano adaptou-se aos mais extremos ambientes e "nichos ecológicos". Nesse sentido, ele fez apenas o que a "natureza da vida" lhe determinou. Foi vitorioso contra os predadores, suplantou as adversidades climáticas e mesmo a escassez de água. Não pode ser moralmente punido por ter feito isso. A questão é saber se a mera razão – que lhe foi tão útil – será suficiente para uma mudança de comportamento coletivo, da manada. Há uma contradição insolúvel em pedir a uma espécie que aja contra a natureza apenas usando um de seus atributos, a razão?
RC - Acha que a Rio+20 servirá para trazer mais esclarecimento sobre o tema, ou se trata apenas de um evento temático voltado para o Turismo?

LP - A Rio+20 será, em si, um evento turístico. Não há indícios de decisões importantes, nem mesmo no campo da transferência de tecnologias "verdes" (essa é a palavra da moda), nem mesmo na área de energias renováveis e eficiência energética. Se não houve qualquer possibilidade de avanço em Oslo, ninguém deveria ter sequer suposto que no Rio ocorreria mais do que uma tentativa de criar mais uma burocracia internacional.


RC - O senhor foi secretário de Planejamento de Cabo Frio nos anos 80. Qual era, na época, a visão da administração municipal (que englobava Cabo Frio, Arraial do Cabo e Búzios), sobre as áreas que deveriam ser preservadas e o que foi feito na ocasião?

LP - Os temas ambientais da época eram outros: planejamento urbano, drenagem, coleta e tratamento de esgotos. A região nunca avançou tanto em matéria de planejamento urbano e de regulamentação do uso do solo. Os três municípios devem ao trabalho feito nessa época o fato de não terem se transformado em "Camborius", que era o paradigma da indústria da construção civil de então. A limitação do gabarito, a exigência de afastamento lateral entre as edificações e outras não foram conseguidas sem muito trabalho.

Só havia um belo movimento conservacionista que era a AMARLA – Associação de Meio Ambiente da Região dos Lagos. Esse movimento foi responsável pela proteção da área de dunas em boa parte do lado direito da estrada que liga Cabo Frio a Arraial do Cabo. Foi ele que deteve um grande projeto de loteamento no local.

Mais tarde, fui presidente da Companhia de Desenvolvimento de Cabo Frio – PROCAF. O convite surgiu de minha proposta de retirar os serviços de água e esgoto das garras da CEDAE. Já estava faltando água até mesmo na baixa estação, em Arraial do Cabo e em Búzios.
RC - Desse legado, o que sobrou intacto?

LP - Já se vai muito tempo, mas penso que sobreviveu alguma coisa das regras de ocupação do solo urbano. Visto sob a ótica do tempo que passou, também uma melhoria significativa nas condições de abastecimento de água e de esgotamento sanitário (certamente, longe do ideal, mas muito melhor do que seria os sistemas ainda estivessem concedidos à CEDAE).


RC - O Estado do Rio de Janeiro criou o Parque da Costa do Sol, com configuração fragmentada, que deu bastante destaque para áreas de restinga , encostas e serras, mas deixou de lado o Parque das Dunas do Peró e o (extinto por decreto), Parque do Mico Leão Dourado? Qual a sua visão sobre esse Parque?

LP - Fizeram parques em cima de outras unidades de conservação, sem previsão de recursos para desapropriações e implantação de infraestrutura de visitação e lazer. Será mais um parque de papel!
RC - Acha que vai ser possível administrar uma unidade tão fragmentada? E como resolver problemas de superposição de áreas como o caso das ilhas de Arraial do Cabo, já inclusas em uma reserva federal?

LP - Bom, a minha reposta a esse tipo de pergunta é conhecida: não. O poder público não consegue administrar os demais parques nacionais e estaduais, porque conseguiria num parque fragmentado sem qualquer planejamento de USO DO PARQUE? Ninguém aguenta mais essa história de "Plano Gestor" de unidades de conservação, usualmente apenas um mapa com ideias imprecisas. Essa foi uma péssima tradução do management plan utilizado para os parques na língua inglesa! Plano de Gestão! Gestão de verdade, com objetivos claros, metas, cronogramas físicos e financeiros, e um conselho de administração de verdade!

Agora, vai tentar convencer os "gestores" de unidades de conservação que o objetivo do parque é a visitação, além da conservação. Eles querem educação ambiental à distância!


RC - No caso de Búzios, acha que foi uma solução para os constantes problemas de ocupação de encostas e topos de morro?

LP - A ocupação das encostas e topos de morro é perfeitamente possível se feita de forma ordenada. Ou a turma acha que na costa da Itália ou da França as encostas mais íngremes são "áreas de preservação permanente" onde nada é permitido? Há cidades medievais, há vinhedos e olivais! Descendo o Ruhr de barco é possível ver os castelos nos topos de morro. A reserva do topo de morro como área protegida tem origem nas Ordenações Manoelinas e objetivava que essas áreas fossem usadas preferencialmente para a edificação de fortificações, castelos e igrejas. Mais nada. Se não, o Pelourinho e Santa Teresa não existiriam.

As taxas de ocupação de encostas e topos de morro que podem ser vistas no trecho da costa da França que liga Nice a Mônaco são baixas, não diferentes das legalmente permitidas pelo ordenamento urbano de Búzios. Não é esse o município que pretende alguma semelhança com a Côte d'Azur?

Agora, depois da invasão, a ocupação ilegal pode. O Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA chegou ao cúmulo de decidir que é permitida a ocupação de áreas de preservação permanente em topos de morro e encostas quando necessária à regularização fundiária. Ou seja, se tem o RGI, não pode; se não tem, pode! Nada tão insustentável como a esculhambação urbanística planejada.


RC - Muito se fala do resgate da Lagoa de Araruama, mas os problemas decorrentes do sistema utilizado (tomada em seco) na cidade de Cabo Frio e o despejo dos efluentes das ETEs na lagoa continuam a trazer graves desequilíbrios. Qual seria a solução definitiva para o saneamento da Lagos de Araruama? E quanto isso custaria?

LP - A coleta de esgoto em sistema único foi aceita em muitos países hoje desenvolvidos como solução temporária em decorrência de restrições orçamentárias, em particular quando as chuvas eram escassas ou concentradas no tempo, como é o caso dos municípios no entorno da Lagoa da Araruama. Em tais situações, tanques de retenção para um volume de chuvas suficiente para lavar os coletores são implantados de maneira a reter as primeiras águas ("first flush"). Essa água assim retida é, depois, gradualmente encaminhada para o tratamento.

Não tenho acompanhado muito de perto a evolução dos sistemas de coleta e tratamento de esgotos, mas tenho notícias de que a qualidade de água da Lagoa continua se degradando. Há o crescimento urbano, um tanto desordenado. Mas não creio que se possa avançar muito se o tratamento de todo o esgoto não for de nível terciário – isto é, com remoção final de nutrientes. E ainda assim seria bom avaliar em que medida a única solução não seria o lançamento dos efluentes tratados através de um emissário submarino.

Fora isso, em países avançados nem mesmo a água das chuvas que lava as ruas é descarregada diretamente em corpos hídricos fechados.

Não é impossível e nem é tão caro, se consideramos que a Lagoa é uma das mais importantes opções de lazer e de turismo da região! Vale lembrar que na década de 1950, os Grandes Lagos na fronteira dos EUA com o Canadá fediam, estavam podres. A criação de uma comissão binacional para atacar os problemas não foi ao estilo brasileiro em que "comissões" preferem discutir conceitos genéricos. A primeira iniciativa foi a proibição de venda de detergentes com Fósforo (o P, no NPK) em toda a bacia drenante. Os fabricantes ameaçaram estrilar mas foram nocauteados logo no primeiro round. Se tentarmos fazer algo semelhante aqui, o assunto vai até o Supremo Tribunal Federal, que o julgará depois de uns 15 anos. Não vivemos num verdadeiro regime federativo.


RC - Muito dinheiro público tem sido investido em dragagens no canal Itajuru e na entrada da Lagoa de Araruama com o objetivo de acelerar o processo de renovação das águas. Mesmo assim, as mortandades de peixes são constantes quando há chuvas continuadas ou aumento da população. O que pode estar acontecendo de errado?

LP - O objetivo das dragagens se restringem a contratar dragagens! Nada mais! Obras de engenharia costeira sérias têm concepção diferente da mera dragagem. A renovação de água da Lagoa não será alcançada com esses remendos de ocasião, em particular se cresce o lançamento total de nutrientes através de esgotos não coletados ou insuficientemente tratados, além da lavagem de ruas. Aliás, você já pensou para onde vai a água da lavagem de veículos e de calçadas – com detergentes?


RC - Acha que o boom da construção civil em Cabo Frio é uma coisa benéfica para a cidade?

LP - Limitações de gabarito, obrigatoriedade de recuo lateral, aumento do número de vagas de automóveis – realmente não sei a quantas anda o planejamento urbano na cidade, ou se resta algum.
RC - Como o senhor vê a idéia da implantação do projeto Reserva Peró ( caso venha a ser concretizado) sobre o campo de Dunas do Peró? Será possível conciliar hotéis e loteamentos com a preservação daquele ecossistema?

LP - De um modo geral, tudo pode conviver com tudo se houver um bom planejamento. Mas a turma gosta mesmo é de argumentar, e não tanto de fazer. Há parques de dunas em outros países! Conheci um em Haia! Lindo, amplo, cortado por pavimento (isso mesmo, senhores ambientalistas, pavimento de asfalto verde ou não-verde) para caminhadas e para ciclovias. As mães passeavam com os carrinhos de bebês, jovens corriam, tudo muito lindo. A cada certa distância, um bar que não vendia bebidas alcóolicas, para um descanso e um suco, uma leitura, uma conversa amiga (aqui, a turma da AMBEV ia logo pedir uma liminar pela liberdade de comércio). Em meio às dunas, pequenas lagoas que serviam para assegurar a recarga do lençol freático naquele trecho, como reserva técnica para o abastecimento de água em caso de algum acidente no rio onde era feita a captação. Isso, sim, é sustentabilidade!

RC - Qual é a sua visão sobre o crescimento das cidades da Região dos Lagos? Alguma delas está se tornando sustentável?

LP - Como comentamos acima, falar que algo é sustentável sem especificar de que estamos falando é coisa da moda, apenas.
Mas é certo que a Região dos Lagos deveria olhar mais para a sua única fonte de suprimento de água: a Lagoa de Juturnaíba.

Na década de 1980, se bem me lembro, a taxa de sedimentação nessa lagoa era de 2,5 cm/ano, se bem me lembro. Ninguém cuidava de Juturnaíba. Área de presevação permanente – que é sempre um conceito vago – ou plano de contenção dos processos erosivos – algo bem mais concreto -, nada! Fertilizantes usados nas lavouras, pesticida, contaminação do sedimento de fundo, estava tudo "ao Deus dará". Não creio que isso tenha mudado.
Fora isso, o que? O tal do boom imobiliário está levando em conta a simples capacidade de abastecimento de água? Ou isso já é pedir demais?

Num país mais avançado existem, há muito, políticas públicas de estímulo à eficiência no uso da água e ao reuso. Captação e reúso de água de chuvas nas edificações de todos os tipos? Nada ou quase nada! Reúso de outras águas como de sistemas de lavagem de veículos e mesmo de sistemas de refrigeração de edifícios comerciais seriam muito úteis para a maior sustentabilidade das cidades.

Iluminação pública com LED, uma substituição que já ocorreu em cidades que se propõem a alcançar maiores índices de sustentabilidade em países avançados, com redução de no mínimo 50% dos gastos com iluminação pública repassados aos contribuintes, ainda não chegou ao Brasil. Faltam-nos políticas públicas ou políticos ligados ao interesse público.
Seria recomendável fazer um concurso de arquitetura ambiental na região, para que o poder público e associações civis saíssem do mero discurso e passassem ao estímulo direto ao trabalho inovador! Nos países avançados, isso é prática comum. O tema é vasto.
Fonte: Niete Martinez

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