BLOG CARLOS RIBEIRO ARTES

domingo, 12 de agosto de 2012

Arte contemporânea brasileira desponta para o Primeiro Mundo



Após alcançar visibilidade e grandiosas cifras, produção sai da categoria ‘mercado regional’


RIO - A pedido da Bolsa de Valores do Rio, em 1984, a artista Lygia Clark criou um brinde para ser distribuído a mil nomes eleitos pela instituição. O “bicho caranguejo” chegou à casa dos escolhidos com certificado assinado por Lygia e um folder com textos sobre o, digamos, presentinho. Hoje, o brinde é vendido por até R$ 50 mil.


Algo parecido ocorreu com o convite da exposição de Sérgio Camargo, em 1972, na extinta galeria Collectio, em São Paulo. Assinados por Willys de Castro, os convites em madeira foram distribuídos a 500 convidados. Hoje, alçados a obra de arte, eles não saem por menos de R$ 25 mil. É claro que obras de fato, feitas como tais por seus autores e não vendidas à época, entram na euforia do mercado. Cildo Meireles, por exemplo, diz que as garrafas da obra “Inserções em circuito ideológico: Projeto Coca Cola”, que ele nunca vendeu, apenas deu de presente, são hoje negociadas entre colecionadores.



O mercado colhe os efeitos do alardeado boom da arte brasileira, que repercute em grandiosas cifras. O Brasil quebrou o recorde de exportações de obras de arte em 2011 (foram US$ 60,114 milhões). Antes, o melhor desempenho havia sido em 2009, com US$ 38,5 milhões. As galerias do país cresceram 44% em apenas dois anos. No mesmo período, seis novas casas abriram as portas. Vinte por cento dos negócios das galerias são gerados no exterior — tudo isso segundo a Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact).



É também o boom da arte brasileira que vem atraindo ao país curadores, críticos, compradores e em especial vendedores, como a gigante galeria Gagosian (que desembarca na ArtRio em setembro, depois da vinda à SP-Arte da White Cube, em maio) e a poderosa Christie’s. A casa de leilões traz ao Rio, nesta quinta-feira, sua diretora do Departamento de Arte Contemporânea e Pós-guerra, Amy Cappellazzo, eleita pela “ArtReview” uma das 20 pessoas mais poderosas do mundo da arte. Amy virá apenas para dar uma palestra, cujo tema diz muito do cenário atual: “Por que o Brasil é tão importante para o mercado de arte?” A resposta:



— É importante porque é um país forte de compradores e colecionadores e, talvez mais importante que isso, tem fortes tradições artísticas, artistas universais. Pode-se contar nos dedos os países que têm isso, e o Brasil é um deles — diz Amy ao GLOBO.



Segundo ela, “os clientes brasileiros têm um profundo senso de nacionalismo e dão apoio ao trabalho de seus próprios artistas, como Vik Muniz e Adriana Varejão, e, simultaneamente, colecionam trabalhos de nomes como Andy Warhol e Pablo Picasso”.



Tal “patriotismo” é o mesmo que aumenta as vendas dos artistas nacionais dentro do país e valoriza seus preços a ponto de se tornarem tão caros quanto os de artistas estrangeiros. E ainda os fazem deixar a categoria de “arte latino-americana”.



— O mercado mudou dramaticamente. Em 1992, nós não tínhamos sequer um artista brasileiro nos leilões de arte contemporânea. E muitos artistas que hoje vendemos regularmente nos leilões contemporâneos começaram no departamento de arte latino-americana — lembra a diretora da Christie’s. — A virada é quando um artista muda de um mercado regional para o internacional, e estou profundamente confiante de que muitos brasileiros vão ascender aos níveis mais altos no mercado internacional.



Liderança latina, apelo universal



Já a diretora da Gagosian de Nova York, Victoria Gelfand, diz não ver importância na nacionalidade de um artista.



— Não apreciam Picasso por ele ser espanhol — afirma ela ao GLOBO.



Segundo Victoria, a galeria escolheu o Brasil porque sua “economia cresceu muito”.



— Com a economia indo bem, há colecionadores brasileiros interessados tanto em arte brasileira quanto em arte internacional — afirma. — Nos últimos dois anos, estamos observando o Brasil, conhecendo pessoas do país, e sabemos que há uma demanda real. Nos mercados emergentes, como Brasil e Rússia, sabemos que as pessoas começam a colecionar arte e tentam apoiar seus próprios artistas até que cresçam. Quando crescem, os colecionadores então começam a pensar o que podem comprar naquele nível de preço e vão em busca de arte internacional. Mas penso que, no fim das contas, se o trabalho é bom não tem nacionalidade. A boa arte é universal — completa a diretora da Gagosian, que trará à ArtRio obras de Picasso e Giacometti a Jeff Koons e Urs Fischer.



Na trilha do título de “artistas universais”, os brasileiros dominam o ranking dos latino-americanos mais valorizados em leilões internacionais no ano passado, segundo o site especializado Art Price. Adriana Varejão, que diz se lembrar de, em 1990, vender obras a US$ 10 mil, ocupa o primeiro lugar (com “Parede com incisões à Fontana II”, vendida por US$ 1,52 milhão) e também aparece em 5º, 6º, 8º e 10º lugares. Já Beatriz Milhazes surge em 3º e em 4º, e Cildo Meireles ocupa a 7ª posição. O único não brasileiro da lista é o cubano Felix Gonzalez-Torres, que aparece em 2º e em 9º lugares.



Para Adriana Varejão, “a valorização se deu de acordo com a melhora da economia brasileira”.



— É um cenário amplo: o meio se profissionalizou, há mais colecionadores, os artistas começaram a sedimentar seu trabalho — completa ela, que, desde 1990, é representada por galerias em Nova York e Londres e que, para cada duas exposições fora do país, faz apenas uma no Brasil.



Beatriz Milhazes, que, no mês passado, viu sua tela “O elefante azul” ser vendida em leilão na Christie’s a US$ 1,4 milhão, diz não acreditar que sua valorização se deva ao boom do mercado nacional:



— Em 2013, faço 30 anos de carreira e 19 anos como artista internacional. É um longo percurso que se estabeleceu não só em termos de reconhecimento de crítica e curadoria, mas também de mercado.



Já Cildo Meireles lembra que, ao fazer sua primeira mostra internacional (no MoMA, em 1970), quando citava brasileiros, era comum ouvir brincadeiras como “Isso é coisa de Policarpo Quaresma!”.



— Mesmo aqui no Brasil, isso acontecia. Vivíamos o que Nelson Rodrigues chamou de “complexo de vira-lata” — diz Cildo. — Em 1992, em Austin, já não havia vaga em cursos de português: os estudantes queriam estudar nossa língua e fazer teses sobre arte brasileira. Ou seja, é um continuum. Não se pode dizer que o interesse vai durar para sempre.



O diretor internacional da casa de leilões Phillips de Pury, Henry Allsopp, crê que o interesse no Brasil deve crescer:



— Não sinto que haja uma bolha prestes a estourar no Brasil. Há sim artistas sérios que serão muito observados nas próximas gerações.



No país, jovens curadores como Daniela Labra dizem se preocupar com os efeitos institucionais do boom e, embora o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) afirme ter aumentado em 1.000% as verbas destinadas a museus nos últimos dez anos, as políticas de aquisição de obras são pífias. Há só um edital de cerca de R$ 740 mil para que artistas criem obras para uma coleção nacional:



— Temos um setor comercial decolando, mas que reverbera pouco nas instituições. Centenas de artistas caem no mercado todos os anos, mas que mercado é esse que vai absorver centenas de artistas por ano? Não temos instituições fortes para tal. O discurso do boom hoje é puxado apenas por um carro mercadológico.

Fonte: Globo/Cultura

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