BLOG CARLOS RIBEIRO ARTES

sábado, 18 de maio de 2013

Maracanã, mito nacional

A duas semanas do Brasil x Inglaterra que marcará reabertura oficial, historiador evoca os primeiros dias do estádio, em 1950

Por Bernardo Buarque de Hollanda



“Da expectativa fremente à decepção amarga”. Foi assim que, segundo o historiador Fábio Franzini, o jornal O GLOBO sintetizou, em manchete estampada na primeira página da edição de 17 de julho de 1950, a alteração no sentimento coletivo nacional entre o primeiro jogo realizado no Maracanã e o fim da Copa do Mundo no Brasil, apenas um mês depois, com a trágica derrota para o Uruguai.

Para inaugurar o Estádio Municipal do Rio de Janeiro, em 16 de junho, apenas oito dias antes do início do torneio, as autoridades escolheram uma partida entre as seleções estaduais do Rio de Janeiro e de São Paulo. Nas décadas de 1920, 1930 e 1940, os selecionados cariocas e paulistas protagonizaram a grande rivalidade futebolística nacional.

Após quatro anos de intensos debates em torno da construção de um estádio público na capital da República, com direito às esgrimas verbais entre dois vereadores da UDN, Ary Barroso e Carlos Lacerda, a festa de inauguração do Maracanã causaria um grande frisson. No final dos anos 1940, o futebol era, ao lado do cinema, a grande atração popular dos habitantes do Distrito Federal. Segundo pesquisa do Ibope, realizada em 1947, 80% dos cariocas eram favoráveis ao soerguimento do estádio, 56% queriam que ele se localizasse naquele local da Zona Norte da cidade e 53% estavam dispostos a doar seus próprios recursos financeiros para levantar a praça de esportes.

A praça levaria por fim o epíteto de “o maior estádio do mundo”, graças a um artifício dos arquitetos responsáveis. Eles abririam mão da pista olímpica no entorno do gramado e alocariam mais trinta mil lugares para espectadores em pé, ao rés do campo. Além de criar um espaço original, a Geral, a capacidade oficial do estádio atingiu cento e cinquenta e cinco mil pessoas e superou assim o estádio escocês Hampden Park, do Glasgow Rangers, cujo recorde havia sido 149.547 espectadores no ano de 1937.

No jogo de estreia, a pompa e as circunstâncias fizeram jus à solenidade da tarde de 16 de junho. O prefeito-general, o ex-integralista Ângelo Mendes de Moraes, presidiu a cerimônia, ergueu um busto em sua própria homenagem e batizou o estádio provisoriamente com o seu nome.

Com as arquibancadas lotadas, a ritualística da abertura teve tiros de canhão das Forças Armadas, execução de banda marcial, canto orfeônico, milhares de pombos soltos, desfile de bandeiras, hasteamento do Pavilhão Nacional e uma “miríade de balõezinhos” lançados aos céus.

No dia seguinte, José Lins do Rego, então secretário-geral da CBD, não apenas exultava como sentenciava: “Aí está o Estádio Municipal no seu dia maior. De pé, a maravilha. É o orgulho de nossa cidade. E será o palco da vitória do Brasil na Copa do Mundo”.

Apesar do entusiasmo, o ato inaugural não poderia esconder os problemas presenciados naquela tarde festiva, e que se repetiriam durante a Copa: o congestionamento de tráfego levava os motoristas a largar os carros e se dirigir a pé para o estádio; muitas entradas ainda não estavam prontas e os portões de acesso, bloqueados; a multidão comprimia-se em meio a tijolos soltos, vergalhões e andaimes quebrados...

Dado o atraso na finalização, e sob a pressão da Fifa, o governo recrutou num ato de desespero até soldados do Exército para acelerar os trabalhos. O estádio, afinal, seria aberto ao público sem estar de todo concluído.

Em campo, o jovem Didi, da Seleção Carioca, marcou o primeiro gol. Com melhor entrosamento e mais bem condicionada fisicamente, a Seleção Paulista empatou ainda no primeiro tempo, com o centroavante Augusto. Na segunda etapa, a eficiência da linha média e a habilidade da linha de frente levaram os “bandeirantes” ao resultado de 3 a 1. Coube ao árbitro Mário Vianna registrar os gols de Ponce de León e de Augusto, novamente.

Um mês depois da abertura, o Maracanã passava assim da “expectativa fremente” à “decepção amarga”. A derrota inesperada para o Uruguai disseminou a sensação de uma experiência trágica, a impedir a catarse que purgaria torcida, time, meios de comunicação, autoridades públicas e dirigentes esportivos.

A despeito do trauma, a memória coletiva foi, aos poucos, sendo contrabalançada por uma nova fase do profissionalismo no futebol brasileiro, alavancada pelo próprio estádio. Divisor de águas, o Maracanã permitiu um crescimento econômico exponencial aos clubes da cidade, favoreceu o agigantamento das suas torcidas, engendrou novos ídolos, fez-se ícone para o país e para o mundo. Tornou-se, na feliz expressão do antropólogo José Sérgio Leite Lopes, “o coração do Brasil”.

No ano de 2000, ao completar cinquenta anos, o Maracanã passou por um ciclo de pequenas e variadas reformas que se estenderam por sete anos. A escolha do Brasil como país-sede da Copa do Mundo demandou, no entanto, uma revisão de tudo o que vinha sendo feito até então.

Seria um eufemismo dizer que o estádio vem sendo reformado. À maneira de Wembley, o Maracanã foi erodido e reconstruído inteiramente, de modo que apenas o nome e o local de origem permanecem, até o momento, inalterados.

Enquanto o discurso da nacionalidade pautou o imaginário coletivo da década de 1950 à de 1980, a nova arena futebolística passa a ser denominada segundo analogias que evidenciam a busca por um sentido distinto: estádio-teatro, estádio-shopping, estádio-estúdio...

Futuro palco da decisão da Copa de 2014, parece não restar dúvida de que o Maracanã protagonizará um espetáculo pirotécnico e televisual à altura do esperado e do exigido, e que encantará o mundo em julho do ano vindouro.

Aos frequentadores do estádio, no entanto, resta o desafio de projetar o seu cenário após a realização do megaevento: serão os torcedores, e suas torcidas, capazes de recriar os espaços festivos, populares e carnavalescos no interior de um estádio asséptico e atomizado?

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