A área em questão está identificada pelo Inea (Instituto Estadual do Ambiente) como sendo de falésias e mata nativa, estando inserida no contexto do projeto "Caminhos Geológicos" do DRM (Departamento de Recursos Naturais de Estado do Rio de Janeiro). Próximo ao local, existem duas placas indicativas, sendo uma delas referente à "Paleofalésia da Rasa" e a outra à "Falha de Pai Vitório".
Falésias da Rasa
O interesse geológico na região da praia Rasa e seu entorno, onde se encontra o bairro de Maria Joaquina, está nos paredões formados por sedimentos avermelhados que são falésias "mortas", ou seja, foram originados pela ação erosiva das ondas em um momento em que o nível relativo do mar encontrava-se pouco acima do nível atual e, assim, pôde avançar em direção ao continente. Estes depósitos ocorrem próximos a uma importante falha regional (Falha do Pai Vitório), e estão relacionados à idade terciária.
Até aqui esquecida pelas autoridades, a região foi crescendo sem controle. Segundo relato de Chico da Pipa, presidente da Associação de Moradores, o local tem sido alvo constante de grilagem de terra desde os anos 50. Com isso, os moradores que foram chegando adquiriram seus lotes desses primeiros grileiros, que forneciam documentos informais, sem validade legal. Os anos se passaram e esses moradores se estabeleceram. O bairro cresceu e vieram novos habitantes, que continuaram comprando casas e lotes, ou simplesmente invadindo áreas vazias. As construções são feitas sem licença de obras, as ruas não possuem qualquer infraestrutura, e o município não fornece nenhum serviço público, como transporte coletivo, saúde e educação. Como a situação é antiga, a rede de energia elétrica chegou até o local atendendo praticamente todas as novas "ruas". Mesmo sem os serviços municipais, muitos moradores pagam IPTU, como é o caso de Paula Carnarda, moradora na Av. José Bento Ribeiro Dantas, notificada como invasora para demolição: "Pago IPTU há 27 anos!"
Augusto Cesar Silveira com os filhos. Invisível para a prefeitura
"Se você olhar o mapa de Cabo Frio, aquilo lá não existe", diz Júlio Calvo, coordenador de Meio Ambiente da prefeitura de Cabo Frio, referindo-se à ocupação. Júlio conta que a movimentação que culminou com as Ações de Demolição "começou há uns quatro anos quando o Inea identificou uma série de invasões em Área de Proteção Permanente (APP) e em terrenos de Marinha no local, e procurou a secretaria de Meio Ambiente para denunciar o fato", diz. Nessa ocasião, relembra ele, "um arquiteto chamado Cláudio, que tinha um projeto de bioarquitetura(1) para a área conseguiu organizar um grupo com perto de 250 pessoas entre antigos proprietários e herdeiros" que tiveram suas terras invadidas e, juntos, procuraram o Ministério Público Federal (MPF) para fazer a denúncia e solicitar providências. Ainda segundo Calvo, no MPF, foram orientados a abrir processos individuais para cada caso.
Assim foi feito. Mas, não pelos ditos proprietários e sim pela Prefeitura de Cabo Frio, existindo hoje mais de 20 desses processos (em torno de 200, segundo os moradores )(2), já julgados procedentes pela 2ª Vara Civil de
Cabo Frio e que se encontram tramitando com recurso em 2ª Instância.
Paula Carnada, com o bebê: IPTU pago e notificação
Paula Carnarda mora a 600 metros do local onde estão instalados vários condomínios (Recreio de Búzios, Irapuã e outros) e diz não entender como os condomínios conseguiram autorização da prefeitura. "Eles sim estão sobre a falésia e têm autorização".
Paula, que acaba de ser mãe, está temerosa apesar de alguns sinais de boa vontade da prefeitura. Ela conta que participou de uma reunião no dia 07 de junho na casa de Chico da Pipa, junto com um grupo de moradores notificados, e afirma ter ouvido do chefe de Gabinete da prefeitura de Cabo Frio, Alfredo Gonçalves, a promessa de que nenhuma casa será demolida.
"Mas é só promessa, ele não levou nenhum papel onde a prefeitura assina um documento dizendo que desiste das Ações. Então, são só promessas, não tem nada de concreto e continua tudo correndo na justiça. Em tempo de campanha tem muita promessa", pondera Paula, referindo-se ao fato do secretário ser declaradamente pré-candidato a prefeito nas próximas eleições. "O que nós queremos é uma solução. Um papel onde se dê a desistência das Ações, e uma solução para o local". Paula argumenta que, se a área é uma APP, "a prefeitura deveria usar o local para implantar algum projeto usando os moradores, porque isso é possível de fazer".
Terra que era de ninguém agora tem muitos donos
Era óbvio. As leis da Física e da especulação imobiliária não aceitam o vazio, e assim foi em Maria Joaquina. Culturalmente ligada à Búzios, viu-se abandonada quando da emancipação do então Terceiro Distrito de Cabo Frio, que optou por não discutir a sua inclusão dento de seu território, para não tumultuar um plebiscito que era dado como certo. Para manter o bairro em território buziano seria necessário envolver o Segundo Distrito no plebiscito, e isso estava fora de questão para os emancipacionistas de Búzios.
Sem identidade com a cidade de Cabo Frio e com sua população votando maciçamente em Búzios, o bairro passou a receber pouca atenção da administração cabo-friense. Pelo menos até agora, quando a Procuradoria do município move Ações de Demolição contra moradores, identificados pela prefeitura como sendo invasores.
Joseli Novaes com o filho: Bananeiras e coqueiros anotados como mata nativa
As moradias atingidas pelas Ações estão entre a Rua 22 e Flexeira, indo até a praia. No local um verdadeiro bairro se instalou, e sem um censo oficial, é difícil dizer quantas casas existem de fato. Os documentos de posse , que diversos moradores atingidos pelas notificações possuem, tratam a área como sendo do INCRA. Mas, Certidão do 2º Serviço Notatorial e Registral, datada de 2001, atesta que a área em questão, tem "100 braças", faz testada com a estrada de Barra de São João e fundos com o "mar grosso", limitando-se de um lado, com a "vala de barra do Una", e do outro, por área pertencente ao espólio de Alfredo Pereira de Souza. O terreno foi adquirido em 1951 por Manoel Pereira Gonçalves por 15.000 Cruzeiros, e é parte do espólio de Manoel Pereira de Souza, falecido em 1946.
Os moradores queixam-se da fiscalização da prefeitura, que, segundo eles, esteve no local fazendo o cadastramento das famílias. Joseli dos Santos Costa Novaes, moradora há sete anos, conta que veio morar no bairro depois do casamento, e mudou-se para a casa que já era do marido. "De repente, chegou um fiscal dizendo que ia fazer a legalização, pediu os documentos, e também para a gente assinar um papel. Daí, pouco tempo depois chegaram as notificações. Tiraram fotos daqui de casa e falaram que era mata nativa. Tem banana, coqueiro, mamão...", lamenta.
Praia Gorda. Beleza atrai especuladores
A ocupação mais agressiva começou há uns 20 anos. Fernando Gonçalves (ex-vereador de Búzios) e cuja família é antiga proprietária de terras no local diz que não foi possível manter a propriedade. Ele afirma que "tudo foi invadido e a prefeitura de Cabo Frio nunca fez nada para impedir, mesmo com a família tendo todos os documentos de propriedade, e até mesmo loteamentos já aprovados para a área na prefeitura".
Nesse cenário, e com o caos fundiário instalado, até mesmo a prefeitura, autoridade detentora do saber sobre a situação a ponto de instruir Ações de irregularidades sobre o lugar, demonstra não ter nenhum critério para determinar quais casas serão demolidas. A invasão – se é que podemos chamar assim – já toma uma grande área e se estende até a praia. Na área onde acontece um número maior de notificações, existem mais de 200 casas distribuídas em "ruas" desordenadas. Observa-se que as residências mais antigas têm em média 10 anos e existe uma verdadeira febre de construção, com muitas casas sendo erguidas.
Residência notificada: 60 dias para demolir
Em várias casas visitadas por nossa reportagem, existem quintais com coqueiros e árvores frutíferas adultas, que foram registradas pela fiscalização da prefeitura como área de 'mata nativa', alegam. Em contrapartida, muitas casas, estas sim, dentro da mata, não receberam notificação até agora. Numa mesma rua, existem casas notificadas e outras não, lado a lado. E casos de lotes onde existem duas casas (uma na frente e outra nos fundos) onde apenas uma foi notificada.
Muito conhecida na comunidade, Tia Anete, é moradora da Rua Tenente Gomes há oito anos e não recebeu nenhuma notificação. "Nós compramos nossas casas e agora estão alegando que é APP. Comprei de uma das herdeiras, Márcia Quintanilha, eu tenho documento, IPTU. Eu não recebi notificação, mas tem muita gente já com ação em segunda instância, como essa casa aqui do lado, do Marcos, que já mora ali há uns sete anos. Nós compramos da mesma pessoa", informa.
Luiz Rocha:"Não sou especulador, sou garçom
Segundo o garçom Luiz Rocha Carvalho, morador há oito anos na Rua Flecheira, "a Justiça não aceita as provas apresentadas pelos moradores. Fotos e documentos que comprovam que já moramos aqui há bastante tempo", diz , complementando, "eu comprei este terreno do "Dito", que morava aqui há mais de 30 anos. Esta casa que eu moro era dele e na casa ao lado, onde mora a Lenir (que também foi notificada), morava o filho dele. Aqui tem mais de 200 casas, mas só uns poucos receberam o aviso"
Apesar da situação crítica, com muitas famílias notificadas e com prazo para deixar seus imóveis, a secretária municipal de Ação Social, Olívia Madalena Singh de Andrade Sá informou que não tem conhecimento pleno da situação do bairro. "Inicialmente nós não fomos instados a nada. Quando houve a Audiência Pública do deputado Paulo Ramos, fomos convidados e enviamos um representante. E não participamos mais de nenhum outro processo. Apenas ontem à tarde tomei ciência do assunto, extra oficialmente. Mas, onde existirem famílias precisando nós vamos cadastrar e atender, porém de lá não temos nada oficial", diz a secretária.
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