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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Coveiro está prestes a lançar terceiro livro sobre criaturas atormentadas

Publicado em 13 de agosto de 2013 | por Matheus Mans
 
 
Diariamente, milhares de pessoas passam em frente ao famoso Cemitério da Consolação, em São Paulo. Inclusive o autor deste texto, que passa todo dia em frente ao suntuoso portão de acesso. A maioria andando a passos largos, em direção às faculdades, escolas e empregos que ali as esperam. O que todos não sabem é que os desgastados muros do cemitério abrigam uma mente brilhante: Francisco Pinto de Campos Neto, 54, conhecido como Tico. Coveiro durante o dia, Tico se revela como escritor após o horário de trabalho. E, como se não bastasse, já está na produção de seu terceiro livro.
 
A vida de Tico não foi fácil. Em 1980, passou no curso de letras na USP. Porém, não conseguiu completar o curso. Acabou tendo que começar a fazer pequenos bicos. Foi pintor, porteiro de boate, assistente de caminhão. A vida acabou se complicando e acabou tendo que ir morar na rua. Aos 34 anos, foi internado (a primeira internação de outras vinte que viriam) devido ao vício em drogas e álcool.
 
Ano passado, Tico acabou se inscrevendo no curso de sepultador e conseguiu o emprego. Ao mesmo tempo, conheceu e foi acolhido por Robson Padial, 48, dono do Sarau do Binho, um projeto itinerante que reúne artistas da região periférica de São Paulo. Assim, o coveiro-escritor acabou conhecendo a Agência Popular de Fomento à Cultura Solano Trindade, que financiou a tiragem de 500 exemplares do seu primeiro livro, “As Núpcias”.
 
 O primeiro livro, que contém dez histórias, chama a atenção pela sua temática. A maioria delas se passa em um manicômio. Tal fato acabou gerando um ótimo retorno: o 5º Prêmio Carrano de Luta Antimanicomial e Direitos Humanos. O enredo trata diretamente sobre o abuso de medicamentos, punição e abandono nesses lugares, que Tico tão bem conheceu. “O que fazem lá é uma lobotomia química”.
 
Tico vai além nas críticas ao sistema de medicação e locais de tratamento psíquico e psicológico. Segundo ele, “você sai de qualquer posto de saúde com [medicação] tarja preta. O Binho costuma falar que qualquer farmácia é uma biqueira [ponto de venda de drogas]. E deve estar dando lucro, porque fica aberta 24 horas”. Além disso, Tico confirma que “os remédios trazem uma felicidade de plástico que interessa à indústria farmacêutica. Com a cabeça cheia de Rivotril, o cara não questiona nada”.
 
Esses depoimentos mostram um problema grave em nosso país: milhares de pessoas, com os mais diferentes potenciais, não são aproveitadas da maneira correta. Com certeza, existem muitos outros Ticos espalhados pelo Brasil e que poderiam elevar a cultura nacional de uma forma majestosa. Isso mostra, claramente, a extensa falta de apoio a esses intelectuais da rua, que podem passar lições de vida ao mundo inteiro. Afinal, a cultura é essencial para o verdadeiro engrandecimento de um país.
 
Agora, o terceiro livro já está sendo produzido e causando surpresa em todas as pessoas ao seu redor. Francivaldo Gomes, o administrador do cemitério, se mostrou surpreso com o talento de Tico. “Temos 30 personagens famosos enterrados. Para um lugar que tem tradição em cultura, é ótimo ter um sepultador-escritor”.
 
E o sucesso do coveiro-escritor está se expandindo cada vez mais. José Mojica Marins, o eterno Zé do Caixão, já deu a sentença sobre a obra de Tico. “É um livro sem embromação nenhuma. Não é sofisticado, fantasioso… Vai direto ao ponto. Uma obra que interessa a quem realmente gosta de ler, quer saber algo sobre o cotidiano, sobre a cidade. Fiquei realmente preso a tudo que se refere a São Paulo, principalmente ao centro, que o autor descreve muito bem, sem ‘frescurice’. É um título que merece muito respeito dos leitores. Eu daria nota 8,5 para o escritor. E olha que sou muito rigoroso com notas. Para chegar a 10 tem que ser Edgar Allan Poe.”
 
Para quem quiser adquirir o livro, é só mandar um e-mail para poetasderua@hotmail.com.
 

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