A primeira retrospectiva de Giacometti (1901-1966) na América do Sul chega ao Rio depois de ser vista por 10.100 pessoas em SP.
RIO - É de se espantar que o suíço Alberto Giacometti (1901-1966), um dos maiores artistas plásticos do século XX, nunca tenha ganhado uma retrospectiva na América do Sul. Com exceção de uma pequena exposição na 24 Bienal Internacional de São Paulo em 1998, sua obra jamais foi exibida abaixo da linha do Equador de forma mais ampliada. O lapso foi finalmente corrigido em março, quando a grande mostra "Alberto Giacometti — Coleção da Fondation Alberto et Annette Giacometti, Paris" chegou à Pinacoteca do Estado de São Paulo, onde permaneceu até o dia 17 de junho causando enorme impacto na maior parte dos 10.100 visitantes. Reunindo mais de 200 obras do artista, realizadas entre os anos 1910 e 1960 e divididas entre esculturas, desenhos, pinturas, gravuras e objetos decorativos, além de fotos e documentos variados, num total de 282 itens, ela aterrissa no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio nesta terça-feira, às 19h, para convidados, como a exposição mais aguardada do ano.
— Considerando a fama mundial de Alberto Giacometti, é realmente difícil compreender como ele ainda não havia tido uma retrospectiva por aqui — comenta a francesa Véronique Wiesinger, diretora da Fondation Alberto et Annette Giacometti e curadora da mostra. — No entanto, Giacometti participou, ainda vivo, de duas Bienais de São Paulo, em 1951 e 1965, e sua obra era muito conhecida por críticos de arte tanto no Brasil quanto na Argentina. Era importante mostrar a uma nova geração do público sul-americano um grande artista que permanece atual, principalmente para os artistas contemporâneos. Por isso a Fondation aceitou de imediato a proposta de organizar uma retrospectiva.
‘Uma nova concepção da escultura’
Para o début sul-americano, Véronique selecionou trabalhos que fazem um panorama de todas as fases e linguagens do percurso artístico de Giacometti ao longo de meio século, com destaque para a influência da África e da Oceania, que marca o início de sua obra madura. Em ordem cronológica e temática, são apresentados desde os retratos do artista feitos por seu pai e por seu padrinho, ambos pintores, até as esculturas monumentais de Giacometti concebidas para Nova York. A seleção de obras também ressalta os laços do artista com escritores e intelectuais parisienses, como André Breton (1896-1966) e o surrealismo, ou Jean-Paul Sartre (1905-1980) e o existencialismo.
— Tentei trazer todos os maiores e mais importantes trabalhos dele, além de ter buscado contar uma história através deles — conta a curadora. — A exposição é muito visual. Você não precisa de muita cultura ou estudo apurado sobre Giacometti para vê-la. Ela é muito aberta, amigável. É claro que é bom se o visitante aprender alguma coisa ali dentro, mas é ainda melhor se ele aprender a olhar o mundo de outra forma após a mostra.
Segundo Véronique, Giacometti procurou, com sua obra, fazer com que o público partilhasse suas descobertas: que o maravilhoso reside no ordinário e que é preciso manter o frescor do olhar fora das ideias preconcebidas; ou que qualquer coisa ou ser humano é fugaz e sua representação não pode ser fixada de modo definitivo.
— Ele foi um dos maiores retratistas do mundo. Conseguia enxergar sempre uma forma diferente de ver determinada pessoa. Além disso, foi capaz de capturar o movimento na escultura como ninguém — ressalta Véronique.
Para o artista Waltercio Caldas, que viu a exposição em São Paulo e acompanhou a montagem das obras no MAM carioca, a exposição que o Rio abriga a partir de hoje é "uma das mais bonitas que o Brasil recebeu nos últimos anos", não só pela "escolha criteriosa das esculturas", ressalta ele, mas pela "quantidade de obras que são representativas da produção do artista".
— Junto com Brancusi e Picasso, Giacometti permitiu o surgimento de uma nova concepção da escultura, com o pensamento sobre o espaço mais relacionado ao volume — explica Waltercio. — A exposição é repleta de trabalhos bonitos e fortes. Vale prestar atenção em como Giacometti trata a distância dele com relação à modelo. Você vai ver que uma das características fundamentais é que, em todas as esculturas, é como se a modelo estivesse longe do artista.
Cedidas pela Fondation Alberto et Annette Giacometti, que tem sede em Paris há oito anos, as obras foram divididas em 13 módulos diferentes: "O ateliê fotografado", "Uma juventude passada no ateliê", "O encontro com as artes primitivas", "A experiência surrealista", "O que é uma cabeça? As dimensões da representação", "Uma mulher como uma árvore, uma cabeça como uma pedra/ Monumento", "Objetos", "Paisagens", "Cinquenta anos de gravura", "Fragmentos e visões", "Em torno de Jean-Paul Sartre", "Retratos" e "O último modelo".
— Essas seções ficaram interessantes aqui (no MAM). Na Pinacoteca, as salas expositivas eram mais divididas, compartimentadas, o que fez com que a mostra contasse uma história gradualmente. No MAM, é tudo mais aberto, e eu gosto disso. É possível ver as obras de todos os ângulos e cada um pode fazer os links que quiser entre os temas expostos — observa a curadora. — A estimulação visual do MAM é maior, permite que olhemos do segundo andar para uma obra que está no primeiro e percebamos a interação do público lá de baixo com ela.
Quando perguntada a respeito dos destaques da mostra e de alguma obra emblemática que esteja na exposição, Véronique dispara:
— Giacometti não gostava da ideia de obra-prima. Ele fazia trabalhos contínuos e dava uma importância igual a todos eles. Cada visitante vai encontrar, sozinho, o trabalho que vai amar.
Colaborapção: Audrey Furlaneto
Fonte: O Globo/Cultura
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