BLOG CARLOS RIBEIRO ARTES

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Em entrevista, Paulo Coelho fala sobre seu novo livro, tecnologia e a proximidade da morte


Depois de superar graves problemas de saúde, escritor lança ‘Manuscrito encontrado em Accra’
Paulo Coelho: escritor está financiando a circulação de livros seus, de ônibus, em países pobres na África Foto: Divulgação
Paulo Coelho: escritor está financiando a circulação de livros seus, de ônibus, em países pobres na África

RIO — Publicado em mais de 160 países, traduzido para 73 idiomas, vencedor de mais de cem prêmios internacionais de literatura, mais de 140 milhões de exemplares vendidos no mundo todo e 13,5 milhões de seguidores no Twitter e no Facebook. Os feitos de Paulo Coelho não param por aí. O maior vendedor de livros do país, ocupante da cadeira de número 21 da Academia Brasileira de Letras, lança nesta quarta seu 22º livro, "Manuscrito encontrado em Accra" (Sextante), o primeiro após um cirurgia no coração para desobstruir artérias, que quase lhe custou a vida. Às vésperas de completar 65 anos, totalmente recuperado, Coelho também comemora um quarto de século desde que seu primeiro grande sucesso, "O diário de um mago", viu a luz do sol. Com tantas glórias, o que falta na vida de um escritor como ele?

— Quero que meus livros penetrem em lugares que ainda não penetraram. Estou tirando dinheiro do meu próprio bolso para alugar um ônibus e distribuir três mil exemplares em bibliotecas do continente africano, de Benim até a África do Sul — diz o autor em entrevista exclusiva ao GLOBO de sua casa, em Genebra, na Suíça, onde vive desde 2009.

Coelho falou ainda sobre seu novo livro, um questionamento sobre os valores humanos escrito a partir da perspectiva de um povo na iminência de ser aniquilado pela guerra (e que teria como base um manuscrito encontrado nas ruínas do Egito Antigo). O escritor conversou também sobre a proximidade da morte, sucesso e fracasso e sua forte relação com a internet.

A mistura entre fatos e ficção é uma constante em sua obra. Quanto de ficção e quanto de realidade há em "Manuscrito encontrado em Accra"?

PAULO COELHO: É nebuloso. Posso te dizer que os valores que debato no livro são universais, e que isso é realidade. Também digo que o arqueólogo que cito na história, Sir Walter Wilkinson, existe, e que de fato eu conheci o filho dele. Sobre o resto... Eu não vou confirmar nem desmentir, que cada um conclua o que quiser.

O que o levou a escrever esse livro?

Frequento muito as redes sociais e comecei a reparar numa enorme sensação de inutilidade, as pessoas acham que não servem para nada, que já mataram seus sonhos. Daí vem o sentimento de derrota, o medo, a frustração, a sensação de impotência que abordo no livro.

Você experimentou sensação parecida antes de publicar "O diário de um mago", em 1987, depois de experiências frustradas com a literatura, certo?

Era exatamente por isso que eu estava passando quando fiz o Caminho de Santiago de Compostela e escrevi "O diário de um mago". Eu achava que não só minha vida não tinha sentido como eu estava velho para mudar. Larguei tudo (ele trabalhou como diretor e autor teatral, jornalista e compositor) e dei um salto no abismo dizendo que os anjos tinham que me segurar. E eles me seguraram.

O quanto ouvir de um médico que você tinha apenas 30 dias de vida, em novembro passado, influenciou a sua obra?

O livro foi escrito em fevereiro, depois da cirurgia. Não tive nem tempo de remoer a notícia, porque estava considerando a possibilidade de morrer no dia seguinte. A proximidade da morte sempre foi uma constante na minha vida. Passei por isso outras vezes, desde o meu sequestro em 1974, até a vez em que me perdi em uma montanha e pensei: "já era". Essa proximidade sempre me estimulou a viver intensamente.

Como foi o processo de escrita?

Como todos os outros: tive a inspiração, e em 15 dias ele estava pronto. Mas antes escrevi um outro livro e deletei do meu computador. Fiz o mesmo que fiz com o livro que escrevi sobre o Raul (Seixas, seu grande parceiro na carreira musical). Nada disso vai ser publicado.

Você é um grande entusiasta do livro digital, foi o primeiro autor brasileiro a disponibilizar toda a sua obra para o Kindle e é a favor do download gratuito, tema que ainda causa muita discordância no meio literário. Você já foi criticado por essa postura?

Acho que os escritores simplesmente não entendem o que está acontecendo e sofrem da síndrome de Van Gogh: "Vou morrer e as pessoas vão descobrir minha arte", o que é um equívoco. Ou eles se adaptam a essa realidade ou não vão sobreviver. Recentemente li uma reportagem no (jornal britânico) "The Guardian" que dizia que eu só podia agir assim porque sou rico, o que não é exatamente verdade. Quando eu comecei, tudo o que eu mais queria era ser lido, se existisse e-book naquela época, eu certamente apoiaria.

E seus lucros, foram afetados?

O número de pessoas que comprou meus livros aumentou barbaramente. E eu já sabia que isso ia ocorrer. Quando as pessoas percebem que você não é mesquinho, sobretudo na cultura da internet, elas o recompensam. Eu noto que elas querem pagar por conteúdo, desde que seja justo.

Você tem quase 14 milhões de seguidores nas redes sociais e todos os dias interage com eles pelo Twitter e pelo Facebook. Quantas horas por dia você passa conectado?

Tenho Kindle, iPad, iPhone, mas me proíbo de passar o dia inteiro conectado. Por exemplo, eu não checo email por telefone, mas gosto de saber que posso fazer isso no caso de uma emergência.

Essa sua relação com as redes sociais foi espontânea?

É supernatural. Fui um dos primeiros a ter perfil no Twitter, ainda em 2007. Meu Klout Score (rede que mede a influência das pessoas na internet em níveis que vão de 1 a 100) é 80, e sou a personalidade mais influente no Facebook. O que me mantém conectado com esse mundo é, em primeiro lugar, a curiosidade. Em segundo, é a possibilidade de falar com o meu leitor, coisa que eu nunca pude fazer direito em uma tarde de autógrafos. Hoje faço Twitcam, convido leitores pra jantar comigo e estou muito mais satisfeito com isso.

O que mudou em você desde a publicação de "O diário de um mago"?

Muita coisa. Primeiro, passei a fazer aquilo que eu sempre sonhei, o que é um passo gigantesco; segundo, consegui ser bem-sucedido naquilo que sonhei; terceiro, fiquei muito famoso, e isso significa que eu tenho todas as portas abertas, posso encontrar todas as pessoas que eu tenho vontade de conhecer. Barack Obama citou meu livro. Já bati papo com Will Smith, tirei foto com Desmond Tutu, não preciso ficar dependendo de coquetéis chatíssimos para fazer social e hoje uso minha fama para algo mais interessante. Fui convidado para assistir ao anúncio da descoberta do Bóson de Higgs, não é maravilhoso?

Fazer sucesso é uma preocupação? Isso influi no seu processo de escrita?

Não. Não se trata disso. Sucesso é um dos temas que eu abordo no livro, porque é algo que todo mundo persegue. Mas já tive fracassos como "O Monte Cinco", de 1996, e "O vencedor...", não lembro do nome, nem de quando lancei, foi antes de "O aleph" (refere-se a "O vencedor está só", de 2008). Foram livros que não venderam praticamente nada, mas não me impediram de escrever o próximo. E eu não considero essas obras manchas negras no meu currículo, até brinco quando alguém comenta que leu um desses livros, digo que ninguém gostou. Acontece.

Você ainda fica ansioso quando está prestes a lançar um livro?

Claro! Ainda sinto muito frio na barriga e digo isso sem a menor hesitação. Quando isso acabar, eu vou parar de escrever, porque será a prova de que perdi o tesão nisso.

A autora americana Jennifer Egan ficou surpresa ao ouvir, durante sua participação na Flip deste ano, que você não goza de prestígio com a crítica. Como você avalia isso?

Acho que não há desprestígio nenhum, isso é uma microminoria, e não dou ouvidos para a crítica. Fui convidado para a Flip do ano passado, mas achei melhor não participar. Também fui convidado para a Campus Party (considerado o maior evento sobre inovação tecnológica do país) e aceitei na hora. O meu universo é esse. A Campus Party é para o meu tipo de gente. Não é melhor nem pior que os outros eventos, mas é do tipo que me dá prazer em participar.

Falando no Raul, você gostou do documentário "Raul - O início, o fim e o meio", lançado em março?

A-do-rei! Achei um trabalho de primeiríssima categoria, um trabalho seríssimo do qual eu não queria participar, justamente por não querer olhar para trás. O diretor, Walter Carvalho, chegou a cogitar fazer o filme sem mim, mas não daria para dissociar a trajetória de Raul da minha. Pensei: "Quer saber? O cara é legal, vou fazer" e adorei o resultado.

Você sente falta do Brasil?

Claro que sinto! Não posso te dizer com qual frequência visito o país porque meus amigos vão me cobrar, mas estou no Rio sempre que eu posso. Existe um fator que ameniza muito a saudade: o Brasil é portátil, ele cabe no meu iPod. Estou com a música brasileira onde quer que eu esteja. Antes mesmo de falar contigo, estava escutando "Se eu quiser falar com Deus", do Gilberto Gil.


Fonte: O Globo 

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