BLOG CARLOS RIBEIRO ARTES

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Angelo Venosa e a arte do fazer

Grande nome da escultura brasileira, ele abre nesta quarta no MAM, ao lado de Giacometti, sua primeira retrospectiva em 30 anos de carreira



Detalhe de obra com cera e dentes de animais e escultura em aço, de 1994
Foto: Mônica Imbuzeiro / Agência O Globo

Detalhe de obra com cera e dentes de animais e escultura em aço, de 1994

Angelo Venosa tem 5 anos de idade e brinca no quintal de casa, em São Paulo. Sua mãe, Maria, usa uma mangueira para lavar o piso de cerâmica. O filho observa a ação da mãe e as gotas que se unem num trecho do chão. Vai carregando com os dedos de menino porções de água até chegar a uma forma maior, orgânica, como um desenho líquido no piso da casa da infância.

— É o tipo de raciocínio que me ocorre até hoje — diz ele, agora com 57 anos, organizando suas esculturas numa área de quase 2 mil metros quadrados no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio. — Foi sempre no fazer que eu descobri o que estava criando.

As criações do artista, de imensas esculturas a objetos menores, poderão ser vistas na exposição que o MAM abre nesta quarta-feira, às 19h, para convidados (e amanhã para o público). Primeira retrospectiva do artista em 30 anos de carreira, a mostra reúne 30 obras no espaço vizinho ao da mostra de Alberto Giacometti, em cartaz no MAM desde a semana passada.

Há mais de uma semana, Venosa vai diariamente ao museu para receber as peças (quase todas sem título) que estavam em coleções privadas e em instituições, como o MAC de Niterói ou o MAM de São Paulo. Uma das esculturas, a mais antiga da retrospectiva, de 1985, chegou um tanto deteriorada ao museu, e o artista acompanhou o trabalho de restauração da peça.

— Há muitos dias estou direto no museu e, em alguns momentos, as coisas ficam bastante claras para mim: vejo filamentos de conexão entre os trabalhos, reencontro os caminhos que percorri no fazer das obras. Há desenhos e padrões de curvas que fazem parte de um vocabulário próprio, um acervo interno, que você repete feito um disquinho riscado.

Assim, surgem organizadas em linha, no centro do espaço no museu, as esculturas de formas orgânicas, curvilíneas ou em camadas, que tornaram Venosa "um dos principais escultores brasileiros", como define o curador do MAM, Luiz Camillo Osorio, ou dono de uma "obra singular no panorama mundial da escultura contemporânea", como escreve a curadora da exposição, Ligia Canongia, no texto da mostra.

Outro título recorrente em sua trajetória é "um dos únicos escultores egressos da Geração 80". Embora tenha começado na pintura — Venosa cursou Desenho Industrial e fez, em paralelo, cursos livres no Parque Lage —, foi no plano tridimensional que encontrou terreno para sua arte.

A opção pelo fazer escultórico, pelo embate direto com a forma, é uma espécie de herança do pai, Giuseppe, imigrante do sul da Itália que chegou a São Paulo nos anos 1950. Como chefe de marcenaria no Clube Paulistano, ele criava engenhocas em madeira, sinos e enfeites para as festas dos sócios. Em casa, construía, também em madeira, a pista para o autorama dos filhos ou o patinete que lhe pediam de presente.

— Nunca pensei: "Vou fazer escultura." Foi um movimento espontâneo de encontrar um modo de trabalhar como aquele que eu tinha de referencial, do meu pai, que inventava com madeira, do meu avô, que trabalhava em construções, ou da minha mãe, que era costureira. Me parecia a ordem natural das coisas. Há uma inteligência específica que acontece nesse fluxo, que é tão intelectualmente interessante quanto o pensamento crítico.

Não se trata, porém, de elogiar a artesania, explica Venosa. Seu discurso é, como define, "um elogio do prazer de encontrar o modo de fazer", mesmo que tal modo não lhe rendesse dinheiro suficiente — o artista é funcionário público, da Fundação Casa de Rui Barbosa, desde 1981, e deve se aposentar ainda neste ano ("Geralmente se associa a Geração 80 a uma certa farra do mercado, mas isso é parcialmente verdade. Não se fez fortuna", diz ele). 

Quando se mudou de São Paulo para o Rio, em 1974, Venosa logo conheceu Sara, com quem é casado até hoje, e só dez anos depois, em 1984, conseguiu ter seu próprio ateliê, num espaço pequeno na Rua São Clemente que ele dividia então com Daniel Senise. Três anos depois, em 1987, já apresentava esculturas na Bienal de São Paulo. Três das obras da Bienal, imensas formas ainda cobertas por uma espécie de pele escura, são peças-chaves da exposição do MAM. 

Outro trabalho da mostra, este de 2009 e já sem a tal pele, como se deixasse as entranhas da escultura expostas, parece evocar a "Baleia", uma das cinco obras públicas do artista, concebida inicialmente para a Praça Mauá e instalada na Praia do Leme.

De toda a trajetória exposta no MAM, Venosa diz "estranhar" as obras em que usa dentes de animais incrustados em parafina escura ou aquelas em que esculpe encaixes para crânios de animais ("Naquele momento, eu me perguntei: ‘Todo o meu trabalho tem referência orgânica, nas curvas, nos traços. Por que não tratar com as coisas diretamente?’, diz) . Os trabalhos foram apresentados na Bienal de Veneza, em 1993, e agora, no MAM, nem todos serão expostos inteiros, em sua forma original — Venosa quebrou em pedaços, ainda nos anos 1990, um dos trabalhos, composto então de um grande painel com centenas de dentes fixos numa base escura.

Embora os trabalhos dessa fase sejam mais escassos, Venosa ainda usou ossos no final dos anos 1990. Em 1999, por exemplo, incrustou um fêmur animal em uma de suas formas longilíneas. Na retrospectiva, há ainda exemplares de outra característica do "acervo interno" do artista: o uso de camadas, seja de aço (nos trabalhos dos anos 1990) ou de acrílico (nas peças mais recentes e inéditas, de 2012).

Em todo o arco da produção do artista, do tempo em que ainda desenhava os trabalhos em chapas de compensado aos mais modernos softwares usados recentemente nas novas peças em acrílico, é o fazer de Venosa e seu constante embate com a forma que ficam explícitos.

— Vejo um fluxo no fazer, uma inteligência fosca no processo de inventar — afirma o artista. — No fundo, ainda sou aquele menino movendo gotas d’água com os dedos no quintal de casa

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