Maria Bethânia, Sandy e Lulu Santos cantam no Rio repertório de Chico Buarque, Michael Jackson e Roberto & Erasmo
RIO — Maria Bethânia conta que tinha acabado de ver a peça “Arena conta Zumbi” quando, no Bar Redondo, em frente ao Teatro de Arena, começaram a cantar, e alguém chamou a atenção: “Ouve a música dele”. Ele era Chico Buarque — então “o novo cara” —, e a música era “Olê olá”. Lulu Santos, que conheceu o trabalho de Roberto & Erasmo Carlos “pelo ar” (“As canções deles foram, por um momento, o pano de fundo da vida brasileira pós-64”), viu um show ao vivo — e uma guitarra elétrica — pela primeira vez na gravação de um programa “Jovem Guarda”, na TV Rio (“Mudou minha vida, nunca quis ser bossa-nova, e sim iê-iê-iê”, lembra). Sandy passou a acompanhar Michael Jackson depois de ouvir “Bad”, quando tinha 5 anos. Em 1993, no show do ídolo no Morumbi, ela chegou a dividir o palco com ele (“Lembro-me de ter entrado de mãos dadas com ele para ‘cantar na língua dos sinais com outras crianças”).
Relações de longa data que, transformadas em shows na série Circuito Cultural Banco do Brasil, chegam esta semana aos palcos cariocas, no Vivo Rio — iniciado em 2011, o projeto já passou por Curitiba, São Paulo, Ribeirão Preto, Goiânia e Recife. Sandy abre a sequência de shows nesta quinta, às 21h, cantando as músicas do Rei do Pop. Lulu Santos lança seu olhar sobre a obra de Roberto & Erasmo na sexta, às 22h. No sábado, também às 22h, Maria Bethânia encerra a temporada carioca caminhando no terreno de Chico Buarque. Em cada um deles, uma forma de traduzir o universo dos compositores celebrados.
— Fiz humildes releituras de sua obra em uma espécie de homenagem de fã — define Sandy, que escolheu a trilha da contenção jazzy. — Como sei que pode ser muito perigoso fazer mudanças e adaptações naquilo que foi concebido e feito originalmente pelo artista, tomei bastante cuidado pra não descaracterizar demais o trabalho dele. Encontrar esse ponto de equilíbrio foi bastante desafiador.
A cantora desenhou um repertório que procura dar um panorama de toda a arreira de Michael em suas diferentes fases. Estão lá “Bad”, “Rock with you”, “I’ll be there” (que Sandy gravou ainda criança, na dupla com o irmão Junior), “Billie Jean”.
Lulu preferiu um foco mais fechado, ressaltando em suas interpretações e na escolha do repertório o lado mais black da dupla. Ele se concentra no início da carreira deles, de músicas como “Calhambeque”, “Minha fama de mau”, “Eu sou terrível”, “As curvas da estrada de Santos” e “Você não serve para mim”, aproximando-as de referências que vão do funk carioca ao samba-reggae.
— Meu foco é a fase pop-rock, o namoro deles com a música negra americana da época, o doo-wop,o r&b dos anos 1950, o iê-iê-iê mesmo, o qual, diga-se de passagem, tem sido valorizado agora numa releitura contemporânea. Na época mesmo, neguim esculachou o que pôde a chamada Jovem Guarda — comentou, por e-mail. — Minha intenção é refletir sobre o encontro, seu acaso embutido. Quem conseguiria, a esta altura, imaginar um sem o outro, ou um insólito universo paralelo onde RC & EC nunca se encontrassem?
Difícil conceber também um universo em que Chico e Bethânia não tivessem cruzado caminhos. Intérprete mais frequente da obra do compositor, a cantora baiana já gravara algumas de suas músicas quando os dois se juntaram no palco, em show histórico de 1975, depois lançado como disco. Bethânia lembra o encontro:
— Dividir o palco com Chico é muito prazeroso. Ele diz que eu sou boa de palco e ele não. Na época, ele brincava que me encontrava no camarim, falava comigo, e quando chegava no palco eu era outra e ele era o mesmo. Mas todo mundo que presta atenção nele sabe que ele tem muita força cênica. Tem um olho muito receptivo e doador. E é lindo demais — diz, rindo. — Como ele é muito moleque, no melhor sentido, gostava de me fazer rir numa hora em que talvez não devesse. E o show, com todas as limitações que tivemos para escolher as canções, tinha muita força. Porque a gente tinha uma certeza de que as coisas iam melhorar, iam pintar soluções para aquelas situações de vetos (“Tanto mar”, por exemplo, fora proibida horas antes da estreia), exílios, censuras. Nossa própria idade e a força da expressão artística brasileira convidavam a gente a pensar assim. Isso nos alimentava. Chico todo dia chegava no palco e comentava, com uma música ou mesmo só com as palavras, algo que estava no jornal, sempre de forma muito inteligente.
No show, Bethânia procura iluminar os diferentes chicos (“o do teatro, o dos musicais, o comigo, o sozinho, o apaixonado, o proibido”) a partir de canções como “Olhos nos olhos”, “Roda viva”, “Apesar de você”, “Sonho impossível” e “Teresinha”. Presentes na estreia do projeto, canções que estavam inéditas na voz da cantora como “Vai trabalhar, vagabundo” e “Brejo da Cruz” não chegam ao Rio em sua voz — a primeira saiu do roteiro, a segunda aparece em versão instrumental.
— É muito curto o tempo de ensaio, e Chico demora, é fundo — explica, citando o projeto que embala, de reler a obra de Chico em vários álbuns. — É algo grande, que será feito com calma, e nele vou poder cantar “Vai trabalhar, vagabundo”, “Sinhá”...
Idealizado pela produtora Monique Gardenberg (em cocuradoria com o cantor Toni Platão), o Circuito Cultural Banco do Brasil também inclui conversas com os artistas no CCBB. No Rio, Sandy iniciou a série na quarta; Maria Bethânia seria entrevistada nesta quinta por Zuza Homem de Mello, mas o papo foi cancelado devido a uma indisposição da cantora e será remarcado. Depois daqui, os shows seguem para Brasília, Porto Alegre e Salvador.
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